A Associação Brasileira de Psiquiatria lança nesta semana uma campanha
pública no Brasil para alertar sobre um quadro que afeta até 8% da
população mundial e é uma causa importante de suicídio. O transtorno
bipolar é uma das doenças mentais que mais causa sofrimento aos
portadores, principalmente aqueles que ainda não sabem ter o problema.
Alterações bioquímicas e moleculares nos neurotransmissores, em
especial na produção da serotonina (substância que ajuda a manter a
harmonia e a comunicação dentro do cérebro), fazem o paciente alternar
períodos de mania (caracterizado por agitação, ritmo acelerado,
impulsividade e compulsão) com depressão (sensação de vazio, cansaço
prolongado, retração e alguma ansiedade).
Assim, a pessoa eufórica torna-se apática de uma semana para outra.
Segundo os psiquiatras, essa oscilação de ritmo e humor na cabeça – e no
dia a dia – da pessoa leva cerca de 25% dos pacientes a tentarem se
matar ao menos uma vez na vida – desses, 4% chegam a cometer o suicídio,
de fato. Entre os que estão em tratamento, o número de tentativas cai
para menos da metade, afetando 10% dos portadores.
Principais sintomas
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O problema, diz a associação, é que o número de pessoas que tratam o
transtorno ainda é baixo no país, muito devido à dificuldade de um
diagnóstico preciso pelos médicos. Como ele é confundido com os sinais
de outras doenças, a “descoberta” pode tardar até dez anos.
“A própria questão da doença, que se apresenta primeiro só como
depressão, cria uma dificuldade de ler os sintomas”, explica a
psiquiatra Ângela Scippa, presidente da Associação Brasileira de
Transtorno Bipolar. "A virada [para a fase da mania] pode levar anos
para acontecer, atrasando o diagnóstico em até dez anos. Com isso,
acredita-se que 60% dos indivíduos atualmente estão diagnosticados
errados."
Segundo a professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a doença
mental ocorre em qualquer idade, mas se manifesta com mais frequência
entre o fim da adolescência e o começo da vida adulta.
A fase da mania, diz ela, persiste por sete dias, no mínimo, fazendo a
pessoa ter um comportamento impulsivo durante todo o tempo. Já o período
de depressão, que vem em seguida, dura pelo menos 15 dias. “Tristeza e
alegria são expressões naturais das pessoas, todo mundo passa por boas e
más fases na vida. Mas os sintomas do transtorno são intensos e
disfuncionais”, ressalta.
O tratamento, que alia terapia com psicotrópicos, deve ser contínuo
para que haja um controle efetivo da doença crônica, do mesmo modo do
que já é feito “por quem tem diabetes, pressão alta e problemas
cardíacos”. Quem interrompe o tratamento, diante da melhora, mais cedo
ou mais tarde vai voltar a encarar a alternância brusca de humor, já que
a taxa de recorrência é de 90%.
Campanha
Apesar de a ocorrência da síndrome bipolar ser equivalente entre os
sexos, em geral as mulheres buscam mais tratamento do que os homens.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar,
elas se queixam mais de dores físicas, como cólicas mensais, e acabam
indo mais ao médico clínico, que funciona como um funil até o
psiquiatra.
Os homens, além de serem mais resistente na hora de pedir ajuda,
costumam abusar mais de álcool e drogas e acabam sendo “tratados” em
clínicas de reabilitação, como se os sintomas do transtorno viessem do
abuso de substâncias, e não da disfunção cerebral.
Tipos de Bipolaridade
Bipolar tipo 1 | A forma mais intensa e conhecida do transtorno traz clara alteração do humor, com fases de plena mania alternadas com períodos de depressão profunda | |||
Bipolar tipo 2 | O paciente nunca tem episódios maníacos completos e tão intensos quanto os do tipo 1. Ele enfrenta períodos de níveis elevados de energia e impulsividade, chamados de hipomania, e momentos de depressão | |||
Ciclotimia | A forma mais leve da síndrome bipolar não tem fases bem marcadas. O paciente, no entanto, tem um humor oscilante e desregulado, com alguns sintomas depressivos - por isso, grande parte dos portadores da ciclotimia são tratados apenas como depressivos |
Para tentar reverter o quadro de baixo e ainda impreciso diagnóstico, a
Associação Brasileira de Psiquiatria tenta enfrentar o problema por
várias frentes. Além de ajudar o psiquiatra, com o programa de educação
continuada, a distribuição de cartilhas e material educativo atinge
diretamente a família e o paciente. A idéia é combater um dos maiores
desafios que cerca as doenças mentais: o preconceito da sociedade.
“Quando uma tia tem um problema cardiovascular, todo mundo fica
sabendo, liga um para outro, vai visitá-la. Mas quando há uma doença
mental, cria-se um silêncio na família e evita-se pedir ajuda. As
pessoas têm muita resistência de procurar um profissional para obter o
diagnóstico [do transtorno bipolar]. Elas ainda acham que quem procura
um psiquiatra é louco.”
Para Ângela, ainda há a dificuldade do acesso da população carente à
assistência psiquiátrica e aos leitos adequados em hospitais.
“Eles não podem comprar muito dos medicamentos, que são muito caros. O
Ministério da Saúde libera antipsicóticos pelo SUS, mas apenas para
pacientes de esquizofrenia, apesar de servir também para quem tem o
transtorno bipolar. A população carente não recebe o que é ideal, mas o
que é disponível. E isso não é tratamento, é redução de danos”, finaliza
a psiquiatra.
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