Prato com toranja, ovos, torrada e leite; existem 85 medicamentos que interagem com a fruta
A paciente de 42 anos mal reagia quando seu marido a trouxe ao
pronto-socorro. Sua frequência cardíaca tornava-se mais lenta ao mesmo
tempo em que a pressão arterial baixava. Para reanimar a paciente, os
médicos tiveram que colocá-la em um respirador e depois colocar um
marca-passo.
Eles ficaram perplexos quando o marido afirmou que
ela tinha enxaqueca e tomava um remédio para hipertensão arterial
chamado verapamil como forma de prevenir a doença. Mas os exames de
sangue revelaram a presença de uma quantidade assustadora do medicamento
no corpo da paciente, um nível cinco vezes maior que o considerado
seguro.
Ela teve uma overdose? Ela tinha tentado suicídio? Foi
somente depois que a paciente se recuperou que os médicos foram capazes
reconstituir os fatos.
"O causador de tudo foi um suco de
toranja", afirmou Unni Pillai, nefrologista de St. Louis, Missouri, quem
tratou a paciente tempos atrás e depois publicou o caso clínico. "Ela
adorava suco de toranja e sua enxaqueca era tão forte, com sintomas de
náusea e vômitos, que ela não podia ingerir mais nada."
Na
semana anterior ao ocorrido, ela havia se mantido apenas com suco de
toranja. Em seguida, ela tomou verapamil, um entre os vários
medicamentos cujo poder de ação aumenta muito quando ingeridos junto com
suco de toranja. No caso dessa paciente, a interação foi potencialmente
mortal.
No mês passado, o pesquisador canadense David Bailey,
quem descreveu essa interação mais de duas décadas atrás, publicou uma
lista atualizada de medicamentos que reagem ao suco de toranja. Existem
atualmente 85 medicamentos à venda que geram esse tipo de interação, os
quais incluem: medicamentos comumente usados para tratar o colesterol
alto, novos agentes anticancerígenos, alguns opioides sintéticos,
medicamentos psiquiátricos, certos imunossupressores – tomados por
pacientes que realizaram transplantes de órgãos – alguns medicamentos
para Aids, certas pílulas anticoncepcionais e tratamentos com estrogênio
"O que nos impulsionou a escrever este artigo foi a quantidade de novos
medicamentos que surgiram nos últimos quatro anos", afirmou Bailey,
farmacologista clínico do Instituto de Pesquisas em Saúde Lawson, que
descobriu acidentalmente essa interação nos anos 1990.
Os
cientistas discutem a frequência com que essas interações ocorrem de um
modo geral e nas pessoas que consomem quantidades normais de suco.
Bailey acredita que diversos casos passam despercebidos uma vez que os
médicos não cogitam em perguntar ao paciente se ele vem consumindo
toranja ou suco de toranja.
Embora esses incidentes sejam raros,
deduziu Bailey, é possível prevê-los e evitar que ocorram. Muitos
hospitais não oferecem mais suco, e alguns medicamentos vêm com
etiquetas que alertam os pacientes para que evitem suco de toranja.
"O ponto principal consiste no fato de que, mesmo com uma frequência
baixa, as consequências podem ser terríveis", afirmou. "Por que
precisamos de mortes para começarmos com as mudanças?"
O consumo
de suco de toranja pode ser fatal se combinado a 43 dos 85 medicamentos
citados na lista, afirmou Bailey. Muitos estão associados ao aumento do
ritmo cardíaco, doença conhecida como taquicardia ventricular
polimórfica, que pode levar à morte. Ela pode ocorrer sem que exista uma
doença cardíaca subjacente e tem sido verificada em pacientes que
ingerem alguns agentes anticancerígenos; eritromicina e outros
medicamentos anti-infecciosos; certos medicamentos cardiovasculares,
como a quinidina; antipsicóticos, como lurasidona e ziprasidona; e os
agentes gastrointestinais cisaprida, domperidona e soliferacina, usados
para tratar a bexiga hiperativa.
Outros medicamentos, como
fentanil, oxicodona e metadona, podem causar depressão respiratória
fatal se tomados junto com suco de toranja. A interação também pode
ocorrer com outras frutas cítricas, como laranja azeda, lima e pomelo.
Além disso, um caso clínico publicado sugeriu que a romã pode aumentar a
ação de certos medicamentos
Os idosos talvez estejam mais
vulneráveis devido à maior probabilidade de estarem tomando medicamentos
e bebendo, ao mesmo tempo, grandes quantidades de suco de toranja. A
capacidade do organismo de reagir aos medicamentos também diminui com a
idade, afirmam os especialistas.
Em circunstâncias normais, o
medicamento é metabolizado no trato gastrointestinal e uma quantidade
relativamente pequena é absorvida, pois uma enzima existente no
intestino, chamada CYP3A4, o torna inativo. Contudo, a toranja possui
substâncias químicas naturais, chamadas furanocumarinas, que inibem a
enzima. Sem sua presença, o intestino absorve uma quantidade bem maior
do medicamento e os níveis da droga no sangue aumentam de forma
significativa.
Por exemplo, se uma pessoa está tomando
simvastatina (nome comercial: Zocor) e ingere, ao mesmo tempo, um copo
de 200 ml de suco de toranja uma vez ao dia, durante 3 dias, os níveis
do medicamento em seu sangue podem triplicar e o risco de ela ter
rabdomiólise, desintegração muscular que pode causar danos aos rins,
aumenta.
Estradiol e etinilestradiol, tipos de estrogênio usados
como contraceptivos orais e na reposição hormonal, também reagem ao
suco de toranja. No caso relatado no periódico Lancet, Yaz, uma
mulher de 42 anos, tomava pílula anticoncepcional e desenvolveu um
coágulo grave, que comprometia sua perna, depois que começou a ingerir
uma toranja ao dia, afirmou Lucinda Grande, médica de Lacey, Washington,
e autora do caso clínico.
Contudo, Grande também notou que a
paciente possuía outros fatores de risco e que as circunstâncias eram
pouco comuns. "Publicamos esse caso clínico porque ele era muito
incomum", afirmou. "Precisávamos ser cautelosos para não tratar o fato
com exagero."
Alguns medicamentos possuem um intervalo
terapêutico restrito, ou seja, uma pequena quantidade a mais ou a menos
da substância no organismo pode ter consequências sérias, e requerem
cautela em relação ao consumo de toranja, afirmou Patrick McDonnell,
professor de prática farmacêutica da Universidade Temple. Entre esses
medicamentos estão os agentes imunossupressores, como a ciclosporina,
que são tomados por pacientes que realizaram transplantas para prevenir a
rejeição do órgão do doador, afirmou.
McDonnell acrescentou,
porém, que a maioria dos pacientes que tem reações adversas consome
toranja em grandes quantidades. "Há uma diferença entre um ingerir um
pedaço da fruta ocasionalmente e tomar todos os dias o equivalente a 450
gramas na forma de suco", afirmou.
Ele também alertou para o
fato de que "nem todos os medicamentos da mesma categoria reagem da
mesma forma". Por exemplo, algumas estatinas reagem à toranja e outras
não.
Alguns conselhos de especialistas para as pessoas que adoram toranja:
– Se você toma medicamentos via oral de qualquer tipo, consulte a lista
para verificar se seu medicamento interage com a toranja. Esteja certo
de ter compreendido os possíveis efeitos colaterais resultantes da
interação e, caso eles sejam potencialmente mortais ou caso possam
causar danos permanentes, jamais ingira toranjas. A ação de certos
medicamentos como o clopidogrel pode ser reduzida quando eles são
ingeridos ao mesmo tempo que toranja.
– Se você toma
regularmente um dos medicamentos listados, tenha em mente que talvez
você precise evitar toranjas, pomelos, limas e geleia de frutas
cítricas. Fique atento aos sintomas que possam ser efeitos colaterais do
medicamento. Se você toma estatinas, o efeito colateral pode ser uma
dor muscular incomum.
– Não basta deixar de tomar seu remédio
quando ingerir toranjas. É preciso evitar consumir a fruta durante todo o
período no qual esteja tomando a medicação.
– Em geral, é bom
evitar mudanças radicais e repentinas na dieta e dietas radicais que
incluam um grupo pequeno de alimentos. Se você "não pode viver sem
toranja", pergunte a seu médico se existe uma alternativa de medicamento
que você possa utilizar.
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