terça-feira, junho 19, 2012

Riscos cardíacos são maiores em pacientes com HIV

                                         Norte-americano Mark Abramson, 59, portador de HIV, sofreu um ataque cardíaco em 2003. As pessoas infectadas com o vírus têm mais chances de sofrer problemas cardíacos, segundo estudos
  • Norte-americano Mark Abramson, 59, portador de HIV, sofreu um ataque cardíaco em 2003. As pessoas infectadas com o vírus têm mais chances de sofrer problemas cardíacos, segundo estudos
Mike Godfrey tinha 19 anos quando descobriu ser portador do HIV.  Ele tinha 29 anos quando começou a terapia antirretroviral. Ele tinha 43 anos quando teve um ataque cardíaco.

"Eu me senti trêmulo", ele disse. "Estranho e trêmulo. Passou. Eu ignorei. Uma semana depois, voltou, mas dessa vez eu também senti algo no meu braço. Eu fui muito idiota e não chamei uma ambulância. Eu tomei um táxi e fui para o hospital."

A experiência de Godfrey exemplifica algo que poucos especialistas em Aids há muito suspeitavam, e cardiologistas agora encontraram evidência para apoiar: as pessoas infectadas pelo HIV têm mais ataques cardíacos e os têm mais cedo na vida. Até mesmo pacientes cuja infecção está bem suprimida pelos medicamentos contra Aids correm maior risco.

Os especialistas no campo disseram que os médicos precisam ser melhor informados sobre essa ameaça pouco conhecida aos seus pacientes portadores do HIV. A ameaça também reforça a mensagem que os especialistas em saúde pública continuam enfatizando: o HIV não é mais uma sentença de morte automática, mas ainda é uma doença perigosa.

"Eu acho que a maioria dos cardiologistas e especialistas em HIV não está realmente ciente disso", disse Priscilla Y. Hsue, uma cardiologista do San Francisco General Hospital que trata muitos pacientes de Aids. "A maioria das pessoas que atendo é encaminhada para mim depois de terem sofrido um ataque cardíaco, recebido uma ponte de safena ou um stent. Para mim, isso é tarde demais. Nós deveríamos examinar as pessoas para doenças coronárias, tratar agressivamente a pressão sanguínea, tratar agressivamente o colesterol."

Os portadores do HIV têm quatro vezes mais risco de ataque cardíaco repentino que seus pares não portadores, relataram Hue e seus colegas na revista "The Journal of the American College of Cardiology".

A explicação mais provável é que tanto o vírus quanto as drogas que o combatem causam inflamação crônica, disse Paul M. Ridker, um professor da Escola de Medicina de Harvard que foi pioneiro nos estudos que estabeleceram a ligação entre inflamação e doenças cardíacas. (Ele não esteve envolvido no estudo publicado no mês passado.) Além disso, as drogas fazem com que o fígado produza mais colesterol, outro fator de risco para ataque cardíaco.

Apesar do elo entre HIV e doença cardíaca em geral não ser conhecido pelos profissionais de medicina, alguns médicos especializados no tratamento de pacientes com Aids há muito suspeitavam de uma ligação.

"Eu já tive vários pacientes –homens com 40 e tantos anos e 50 e poucos anos –que foram encontrados mortos em casa", disse Steven G. Deeks, um especialista em Aids da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que não esteve envolvido no estudo. "Eu sempre achei que estava acontecendo mais vezes do que deveria."

Tanto o vírus que causa a Aids e outras infecções que a acompanham podem inflamar tecidos, ele disse. A inflamação pode produzir coágulos de sangue, que podem causar ataques cardíacos. E nos intestinos o vírus pode causar a "síndrome do cólon irritado", permitindo que outros micróbios inflamatórios entrem na corrente sanguínea.

Zian H. Tseng, um cardiologista e coautor com Hsue do novo estudo, disse que se deparou com a ligação entre HIV e doença cardíaca enquanto realizava um levantamento de todas as mortes por ataque cardíaco repentino em San Francisco e notou que muitas vítimas tomavam drogas antirretrovirais.

"Inicialmente eu achei que se tratava apenas da alta prevalência de portadores do HIV em San Francisco, mas era claramente mais que isso", ele disse.

Os pesquisadores estudaram os prontuários médicos de 2.860 pacientes que passaram pela Ala 86, a famosa clínica de Aids do San Francisco General Hospital. Para aqueles que tinham morrido, eles checaram as certidões de óbito, os relatórios dos paramédicos e entrevistaram médicos e parentes, tentando descobrir como tantos tiveram ataques cardíacos.

Eles reconheceram algumas limitações: o fumo e uso de drogas recreativas são mais comuns entre as pessoas com HIV, e poucos mortos passaram por autópsia. Mas todas as mortes que pareciam overdose, suicídio ou agressões, assim como mortes lentas por Aids, foram excluídas.

Estudos anteriores sugeriram que as pessoas com HIV desenvolviam colesterol alto e artérias bloqueadas aproximadamente uma década mais cedo do que o normal, mas apenas agora isso está se tornando amplamente reconhecido.

"Eu não sabia que tinha problema do coração até que tive um ataque cardíaco e recebi duas pontes de safena em 2003", disse Mark Abramson, 59, autor da série "Beach Reading" de romances de mistério/romance gay.

Apesar de se consultar com médicos e tomar de modo intermitente medicação para Aids quando tinha plano de saúde durante seus anos como barman, "ninguém me disse que eu estava em um grupo de alto risco".

Ele fumava e sabia que sua pressão sanguínea estava "um pouco alta". Ele não se recorda ter feito algum exame de colesterol.

Sharon Hampton, 57, teve problemas cardíacos primeiro e só posteriormente soube de uma provável ligação com o vírus.

Na faixa dos 30 anos ela desenvolveu pressão alta e sinais de insuficiência cardíaca congestiva. Uma "viciada em trabalho" confessa, ela culpava a pressão de seu trabalho como processadora de queixas hospitalares. O médico dela recomendou que procurasse algo menos estressante; ela o fez por algum tempo, mas então se mudou para Sacramento e começou a trabalhar em outro hospital.

Aos 45 anos, ela disse, "eu tive um ataque cardíaco sentada à minha mesa –graças a Deus o pronto socorro ficava a dois metros da minha sala".  Após receber cinco pontes, ela inicialmente voltou ao trabalho. Mas a saúde dela deteriorou e ela passou a viver com familiares desde então.

No último Dia de Ação de Graças, após ser hospitalizada com um problema de saúde, ela soube que era portadora do HIV.  "Eu não podia acreditar", ela disse. "Eu pirei. Eu achei que se tratava de um falso positivo. Eu fui celibatária por muito tempo. Eu nunca tive esse estilo de vida. Eu tenho medo de drogas."

Mas quando era jovem, ela disse, ela passou um breve período casada com um homem que ela soube posteriormente que usava drogas injetáveis. "Eu nunca soube", ela disse. "Ele era o Davi do Michelangelo. Eu era uma caipira do interior."

Ela aparentemente é uma rara "supressora de elite", parte do 1% a 2% dos infectados que, por razões desconhecidas, controla o vírus sem drogas. Apesar de ter uma carga viral quase indetectável e nenhuma infecção oportunista, seus médicos na UCSF acreditam que o vírus contribuiu para seus problemas cardíacos.

Jose Raneda, um ex-advogado de 48 anos de Milwaukee, viu o pensamento a respeito da ligação entre o HIV e o coração mudar nos últimos anos. Ele soube que era portador aos 21 anos, começou com os coquetéis contra Aids assim que foram disponibilizados, nunca teve contagem de células CD4 baixa ou uma infecção ligada à Aids, e sempre foi esbelto.

Mas ele teve seu primeiro de dois ataques cardíacos aos 40 anos. "Eu perguntei ao meu médico de HIV se estava relacionado, mas ele disse que não", ele disse. "Eu acho que ele estava enganado." Seu ex-médico, Ian H. Gilson, da Faculdade de Medicina de Wisconsin, concordou.

"Na época, nós não tínhamos evidência sólida a respeito da ligação", ele disse. "Meu pensamento evoluiu. Agora eu diria algo diferente para ele."


Tradutor: George El Khouri Andolfato

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